“Treino é treino e jogo é jogo”, dizia Neném Prancha, que foi de tudo no futebol brasileiro. Mas o que diria o sábio filósofo do esporte bretão caso fosse chamado a opinar sobre a pré-campanha eleitoral que se inicia em Uberlândia? “Se o treino já está assim, imagine só como será esse jogo!”, exclamaria.
Nem bem se iniciou, a campanha eleitoral já produz episódios dignos de nota (zero) em matéria de civilidade e respeito às normas. A começar pelo fato de que ao menos um ‘carbonário’ digital, forjado pelo pior bolsonarismo, já foi flagrado atuando para detratar os adversários do atual prefeito Odelmo Leão e de seu candidato Paulo Sérgio.
Esse carbonário, que tem mais dotes de terrorista digital do que de revolucionário, é um funcionário público que ocupa seus dias fazendo insidiosas campanhas nas redes sociais contra qualquer um que se interponha entre a opinião pública e seu grupo político. Foi nomeado para a sinecura na Secretaria de Habitação pela deputada Ana Paula Leão. E mesmo depois de ter sido multado em R$ 5 mil pela Justiça eleitoral, permanece inamovível em seu emprego, como se fosse normal abrigar fabricantes de fake news em postos de confiança da administração pública.
Uma nota à parte é o comportamento obsequioso da imprensa uberlandense. Atados por interesses comerciais dos patrões, os jornalistas da cidade não têm espaço para noticiar nada do que pode vir a contrariar o incumbente da Prefeitura. Faz-se de cega, surda e principalmente muda nossa solerte imprensa quando o assunto em pauta são os malfeitos do grupo político que gere a cidade há uma geração.
Enquanto os meios formais se calam, o vale-tudo se instala nos bastidores da pré-campanha. E quando me refiro a vale-tudo, é vale-tudo mesmo. Por exemplo: vale destruir sites que expressam uma visão anti-hegemônica e crítica acerca dos desígnios dos mandatários e dos sem-mandato que os cercam.
Foi o que aconteceu com duas páginas de opinião na internet que eu mesmo alimentava. A primeira é o Blog do Pannunzio, espaço que criei em 2009 com o propósito de exercitar a plena liberdade de expressar meus pensamentos. Quinze dias atrás, hackers invadiram o site, demoliram seu banco de dados e puseram a perder milhares de textos que produzi nos últimos 15 anos.
O ataque foi tão virulento que não sobraram nem os arquivos de backup no diretório do serviço de hospedagem. Não sobraram também impressões digitais capazes de identificar quem perpetrou esse atentado contra um acervo que tinha muito valor simbólico, pois era a minha referência profissional desde que passou a ser construído. Mas sobrou uma linha lógica que pode indicar quem o executou — assim como é plausível suspeitar a mando de quem.
Os mesmos terroristas tentaram destruir também o banco de dados do site do Movimento Uberlândia em Movimento. Desta vez, felizmente, conseguiram pouco: o site é bem mais novo. Seu acervo estava a salvo em um diretório local dos computadores da minha empresa. Ainda assim, conseguiram destruir as fotos e imagens e também alguns detalhes da arquitetura do site — mas nada que não seja passível de recuperação.
Os abusos que se verificam não encontram no Ministério Público energia suficiente para repelí-los. Instado a opinar em três processos, o MP Eleitoral se fez de rogado em dois deles. Uma denúncia anônima foi arquivada sumariamente por um promotor que não viu motivos para achar estranho que o atual vice-prefeito tenha usado dinheiro do contribuinte para enviar correspondências não solicitadas a munícipes que aniversariam. Também não estranhou o fato de que a LGPD proíbe o uso não autorizado de cadastros de qualquer natureza para o envio de mensagens — que dirá um banco de dados público.
Outro não viu problema na profusão de outdoors que grassam pelos terrenos baldios da cidade com mensagens visivelmente eleitoreiras. Preferiu anistiar o passado e avisar que daqui para a frente, como diria Roberto Carlos, tudo vai ser diferente, e quem viver verá.
A partir desses elementos é bem possível supor que o ambiente em que se desenvolverá a campanha eleitoral será tóxico e dolorido. Livres para cometer excessos, os pré-candidatos vão se lançar em uma guerra fratricida cujas vítimas serão os eleitores. Sem uma imprensa livre, com um Ministério Público tímido e partidarizado, com uma profusão de fake news criando uma realidade paralela, o jogo promete ser pesado.
Afinal, treino é treino e jogo é jogo. E se o treino já está assim, cheio de caneladas e pancadas abaixo da linha da cintura, com juízes e VARs atuando de costas para a bola, não se espere nada aquém de um espetáculo de selvageria e sanguinolência política.
Faz bem esse blog critico e atenta atuação do jornalista Fabio Pannunzio revelando os bastidores da politica eleitoral para descortinar aos leitores o jogo pesado, as pancadas e a conivência do “sistema de poder” local aliado ao coronelismo autoritário primo-irmão do bolsonarismo.